sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

demolidor...

reedição do post de 11 de outubro de 07

ENTREVISTA DE MARCOLA DO PCC 23/05/2006 - O GLOBO - Editoria: Segundo Caderno

Você é do PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e
invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente
era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio:
migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias...
A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal
alguma vez: alocou uma verba para nós? E nós só aparecíamos nos
desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos
morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a
multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o
início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio
Dante na prisão...

- Mas... A solução seria...
- Solução? Não há mais solução, cara... A própria ideia de
"solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já
andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como?
Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um
governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento económico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de
ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse
por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do
Legislativo cúmplice (ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se
bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições.
Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de
haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e
federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...). E tudo
isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psico-social
profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível.Não há
solução.

- Você não tem medo de morrer?
Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês
não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá
fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba...
Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no
meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra
espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para
vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte
para nós é o presunto diário, desovado n’uma vala... Vocês,
intelectuais, não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja
herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam
esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000
livros e leio Dante... Mas, meus soldados todos são estranhas anomalias
do desenvolvimento torto desse País. Não há mais proletários ou
infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora,
cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando
nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já
surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com
autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma
espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura
assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet,
armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são
uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

- O que mudou nas periferias?
Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões,
como o Beira-Mar, não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um
escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá
ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é
despedido e jogado no "microondas"... ha, ha... Vocês são o Estado
quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de
gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno
próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês
morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós
estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós
somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do
crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população
das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são
regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos
globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos
esquecem assim que passa o surto de violência.

- Mas o que devemos fazer?
Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem
deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas
paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com
que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país
está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o
Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O
Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz,
"Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas
devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete
antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... P’ra acabar com
a gente, só jogando bomba atómica nas favelas... Aliás, a gente acaba
arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou?
Ipanema radioactiva?

- Mas... não haveria solução?
Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a
"normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma
autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... Na boa...
Na moral... Estamos todos no centro do insolúvel. Só que nós vivemos
dele e vocês... Não tem saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro
dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabe por quê? Porque vocês não
entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante:
"Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as esperanças.
Estamos todos no inferno.

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