sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

george steiner

Um
dos mais prestigiados pensadores contemporâneos, explicou ontem em
Lisboa porque é que receia que o conhecimento científico possa estar
prestes a atingir os seus limites.

Não é habitual que uma palestra destinada a um público alargado, seja qual
for o tema de que trate, possa ser considerada um evento cultural de
primeira ordem. Mas é difícil não reconhecer esse estatuto à
intervenção com que George Steiner abriu ontem de manhã a conferência A
Ciência Terá Limites?, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian. Não
só pela qualidade da comunicação, mas porque quem apenas conhece o
ensaísta dos muitos livros que publicou, não imagina a que ponto este
professor de quase 80 anos, hoje radicado em Cambridge, consegue ainda
ser um comunicador absolutamente contagiante.

A pergunta que Steiner trouxe – foi ele que propôs o tema à Gulbenkian –
é inquietante: será que um dos mais sólidos pilares da civilização
ocidental, a confiança no progresso ilimitado do conhecimento
científico, pode ser, afinal, uma piedosa ilusão? É claro que a questão
já foi muitas vezes posta, quer pelos que acham que existe um limite a
partir do qual a ciência tem de ceder o passo à metafísica, quer pelos
que questionam o progresso da ciência com base em pressupostos éticos.
Steiner não ignorou estes argumentos, mas não foi neles que fundamentou
a sua convicção de que estaremos a assistir a “indícios sérios de que a
teoria e prática científicas estão a bater contra paredes, contra
limitações que podem vir a revelar-se insuperáveis”. Baseando-se
nos testemunhos de cientistas, Steiner acredita que quer a exploração
do macrocosmo estelar, quer a investigação do microcosmo das partículas
pode estar a atingir, digamos assim, o seu limite técnico. Nenhum
concebível aperfeiçoamento dos sucessores actuais do telescópio e do
microscópio poderão, segundo crê, aumentar muito mais a fatia do
universo que nos será dado conhecer. “Inumeráveis galáxias repousam
para lá do horizonte de qualquer potencial observação”, diz Steiner,
que garante ter ouvido físicos admitir que também “a observação
microscópica está a aproximar-se dos seus limites”. Se estas suspeitas
se comprovarem, acrescenta, “as consequências epistemológicas e
psiocológicas serão incalculáveis”. Perante estes condicionalismos,
o conferencista acha que especulações muito em voga na Física, como a
alegada existência de um número ilimitado de universos paralelos, caem
na categoria da mística. Steiner ironizou particularmente com a célebre
teoria das cordas, que, desde os anos 70, já estimulou “alguns dez mil
artigos científicos”, e a que o físico e divulgador científico Richard
Feyman chamou “um disparate louco”. Das várias críticas a esta teoria
citadas por Steiner, a mais divertida é a que defende que “as suas
conjecturas não chegam sequer a estar erradas”. Comunicação difícil Mas
não são apenas as limitações técnicas, instrumentais, que, segundo
Steiner, fazem recear uma crise da ciência. O ensaísta acha que outro
dos principais obstáculos a um progresso científico genuíno pode vir da
crescente hiperespecialização dos cientistas, que começa a
impossibilitar a comunicação mesmo entre investigadores que trabalham
em domínios muito próximos. E Steiner lamenta ainda muito
particularmente o fosso que se cavou entre os cientistas e as
comunidades a que pertencem, quer porque os primeiros “ainda não
perceberam que têm mesmo de gastar algum do seu tempo a tentar
estabelecer essa ponte”, quer pela complacência das sociedades ditas
desenvolvidas com o assustador grau de “inumeracia” da quase totalidade
dos seus habitantes. As implicações desta ignorância são, defende,
“desastrosas”, já que muitos dos avanços em disciplinas como a biologia
molecular, a bio-genética, ou a neuroquímica vão afectar a existência
pessoal e colectiva de forma crucial. Steiner acha que a saída
está no ensino, desde os primeiros graus de escolaridade, e acredita
que é possível estimular as crianças para a matemática. O tema
entusiasma-o tanto que, a dado momento, exortou mesmo a assistência:
“Tragam-me cinco alunos de meios desfavorecidos e eu mostro-lhes.” Mas
também defende que só é possível esperar esse papel dos professores se
estes forem bem pagos e recuperarem o seu prestígio. Às limitações
técnicas e à especialização excessiva, Steiner acrescenta ainda outro
motivo de preocupação, que na verdade foi oficialmente formulado em
1931, mas que só agora começa a ser seriamente ponderado em todas as
suas consequências: os teoremas de Gödel, que postulam que nenhum
sistema pode fundamentar-se a si próprio e que, “em todos os sistemas,
haverá sempre proposições que não podem ser validadas nem negadas”.
Segundo Steiner, os teoremas de Gödel impugnam, designadamente, a
possibilidade de uma teoria unificada, como a que Stephen Hawking
chegou a prometer. O ensaísta terminou com um sinal positivo,
afirmando não acreditar que estes e outros sinais que considera
inquietantes impeçam a ciência de continuar a produzir descobertas
relevantes e a encontrar novas aplicações para o que descobre. Mas
admitiu que não é tranquilizador pensar que “20 milhões de americanos
acreditam que Elvis Presley se levantou dos mortos”, ou que
“financeiros de Wall Street dispõem os móveis dos seus ecsritórios sob
a orientação de especialistas de animismo pseudo-oriental”, ou que a
mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair “usa amuletos
contra os raios cósmicos”

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